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Universidade Federal do Ceará
NUBIMED – Núcleo de Biomedicina

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Estudo sugere mudança no calendário de vacinação contra a gripe no Ceará, especialmente para mulheres grávidas

Data de publicação: 13 de setembro de 2021. Categoria: divulgação científica

Aposto que algum dia você já ouviu esse alerta: – Menino, sai do sereno para tu não gripar!

É só começar o inverno e vem essa preocupação: lá vem a gripe! A ciência já demonstrou que existe relação entre número de casos de gripe e a chegada do inverno. Ela é uma das doenças mais comuns e, provavelmente, você já passou alguns momentos tenebrosos sentindo calafrios, dor de garganta, espirros intermináveis e dificuldade para respirar. Gripe é um nome popular da doença e o termo médico para defini-la é influenza, adotado desde quando achávamos que as doenças eram causadas pela “influência dos céus” (“ab occulta coeli influentia”). Na atualidade, usamos o termo influenza para definir uma infecção viral aguda que afeta o sistema respiratório, de elevada transmissibilidade e distribuição global.

Podemos contrair influenza várias vezes durante a vida. Por sorte, essa virose tem evolução autolimitada e, em poucos dias de repouso, ficamos livres dela acreditando até mesmo termos sido curados com remédios populares do tipo limão com mel ou mastruz com leite. Porém, a influenza pode se apresentar de forma grave. Durante surtos epidemiológicos, aumentam os casos de pneumonia, hospitalizações e até casos de morte, por isso ela é preocupante para as autoridades sanitárias. Campanhas públicas de vacinação são rotineiramente patrocinadas e como a imunidade das vacinas diminui com o tempo, o ideal é que possamos nos vacinar ao menos uma vez ao ano.

No Brasil, as campanhas de vacinação ocorrem anualmente entre os meses de abril e junho de forma a coincidir com o início do inverno no hemisfério sul. Entretanto, o Brasil é um país imenso e há regiões nas quais as estações do ano não são facilmente percebidas pela população, por exemplo, nas regiões mais próximas ao equador.

Pergunte a qualquer cearense quando começa o inverno e ele provavelmente dirá que é em fevereiro mesmo que, de fato, estejamos no verão. De fevereiro a maio ocorre o período chuvoso, popularmente referido como inverno no Ceará (Figura 1). Isso quer dizer que, tendo a vacinação contra a gripe um único calendário nacional, as campanhas no Ceará começam somente após o início da quadra chuvosa. Daí surgiu uma pergunta a ser investigada: será que o atual plano brasileiro de vacinação protege adequadamente contra a influenza no estado do Ceará?

Para responder a esta pergunta, elegemos as gestantes como grupo de interesse, já que elas estão no grupo de pessoas prioritárias para serem vacinadas, e estendemos nossas avaliações sobre os desfechos da vacinação até o nascimento dos bebês. Para isso, buscamos os registros oficiais de influenza e os registros de recém-nascidos no Ceará entre 2013 e 2018. Nos registros hospitalares, casos de influenza são classificados como uma infecção respiratória aguda grave, ou simplesmente SARI (Figura 1). Entre 2013 e 2018, foram notificados 3.297 casos de SARI, dos quais 145 ocorreram em mulheres grávidas, correspondendo a 4% dos casos.

A partir desses números, avaliamos nos filhos as consequências da mãe ter tido SARI durante a gravidez. Comparamos os achados com os filhos de mães saudáveis, que não tiveram SARI quando esperavam seus rebentos. O resultado foi surpreendente em dois aspectos principais: a taxa de bebês prematuros aumentou de 10,7% nas mães sem SARI para 15,5% nas mães com SARI, ou seja, nasceram mais bebês com menos de 37 semanas de gestação quando as mães manifestaram SARI na gestação. Além disso, crianças filhas de mães que tiveram SARI nasceram com menor peso do que as crianças filhas de mães que não tiveram SARI. Enquanto as 61 crianças nascidas de mães com SARI pesaram 2,8 kg ao nascimento, as 122 crianças nascidas de mães que não tiveram SARI pesaram 3,2 kg em média.

Veja como é o cenário atual da vacinação contra gripe no Ceará (Figura 1):

Figura 1 – Número de casos de SARI (amarelo) e Influenza (lilás) no Ceará no ano de 2018. Em destaque azul, o período registrado como estação chuvosa em 2018. O retângulo rosa representa o período da campanha de vacinação para gripe em 2018. Note que os casos de SARI e Influenza atingem pico imediatamente antes do início da vacinação. O eixo X está considerando o ano em semanas epidemiológicas, e os meses correspondentes são mostrados (Fonte: Quirino et al. 2021).

As diferenças nesses parâmetros são observadas coincidentemente em fevereiro, durante o período da estação chuvosa no Ceará, ano após ano, mostrando provável relação entre o início da estação chuvosa, casos de SARI, e repercussões ao nascimento. Atualmente, estamos vacinando somente após o aumento do número de casos de influenza, conforme pode ser observado na figura 1. Isso indica que, para o bem-estar das mães e dos seus futuros filhos, é necessário rever o início da vacinação no Ceará, antecipando-a para janeiro, antes de começar o nosso inverno. Veja como deveria ser (Figura 2):

Figura 2 – Retângulo em rosa destaca o momento mais apropriado sugerido pelo estudo para o início da vacinação no Ceará, anterior à estação chuvosa.

Curiosidades:

A influenza preocupa mais em certos grupos de pessoas, e as campanhas de vacinação objetivam atingir especialmente crianças (de 6 meses a 5 anos de idade), gestantes e idosos (acima de 60 anos), além de outros grupos que, apenas no Ceará, podem somar cerca de 2 milhões de pessoas prioritárias. As vacinas também podem variar ano a ano e sua composição depende de informações técnicas acerca dos tipos circulantes do vírus Influenza. Sim, esse vírus circula em 3 principais cepas chamadas A, B e C. O vírus influenza A e B são mais perigosos e relacionados ao surgimento de epidemias sazonais, isto é, de vez em quando se espalham na população. O vírus influenza A é responsável até por pandemias e possui subtipos referidos por termos como H1N1 e H3N2, amplamente noticiados quando se alastram ao infectarem humanos.

Sobre o estudo:

O estudo foi conduzido no Núcleo de Biomedicina da UFC em parceria com a Secretaria de Saúde do Ceará (SESA-CE), sendo fruto da Dissertação de José Quirino Filho (Figura 3), Mestre em Saúde Pública pela UFC. Na íntegra, o estudo está disponível no periódico Emerging Infectious Diseases e pode ser acessado AQUI.

Figura 3 – Dois dos autores do estudo, José Quirino Filho (à esquerda) e seu orientador, Prof. Aldo Lima.

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